Paciente acamado há 37 anos e com síndrome de Down vence covid-19

Créditos: arquivo pessoal

 
No dia 18 de abril, Washington Luis Cremonesi, 48, morador das Casas André Luiz, em Guarulhos (SP), desde os 11 anos de idade, começa a manifestar sintomas da covid-19. Febre, insuficiência respiratória e queda de saturação do oxigênio. No dia 20 daquele mês, testa positivo para o novo coronavírus (Sars-CoV-2).
 
Washington tem síndrome de Down. Porém, além da condição, ele possui outros problemas de saúde como bronquite e epilepsia. Nunca chegou a andar e vive acamado.
 
Ele é traqueostomizado desde uma pneumonia que teve em novembro de 2019. Também é alimentado de quatro em quatro horas por meio da gastrostomia (um procedimento no qual um tubo é colocado no estômago para dar suporte nutricional). Devido a uma catarata congênita, perdeu a visão quando tinha pouco mais de um ano de idade, embora tenha feito duas cirurgias para tentar neutralizar a doença.
 
Apesar de todos esses obstáculos, Washington venceu o coronavírus. Ficou internado por nove dias e necessitou de ventilação mecânica para respirar, mas hoje está curado e seu quadro é estável.
 
“Ele é um sobrevivente. Mesmo com síndrome de Down e todas as condições que possui (traqueostomizado, acamado, capacidade cognitiva bem diminuída), ele é um vencedor até se levarmos em conta a sobrevida do Down, que é em média de 40 anos”, afirma Eunice Alves dos Santos, que cuida de Washington há mais de dois anos como enfermeira da ULP (Unidade de Longa Permanência) das Casas André Luiz.
 
Trata-se de uma instituição filantrópica sem fins lucrativos que atende e cuida gratuitamente de pessoas com deficiência intelectual.
 

A infância de Washington

“Comecei a perceber que ele era diferente a partir de um aninho de idade. Percebi que ele não ficava em pé, sentava apenas escorado. Daí procurei um tratamento para ele”, conta Ivani Lopes, 69, mãe de Washington.
 
Por possuir deficiência intelectual profunda, Washington nunca se comunicou verbalmente. Apesar disso, ela conta que entendia o seu filho. “Não sei como explicar, é coisa de mãe mesmo. Entendia tudo que meu filho queria. Se estava com fome, molhado”.
 
A família morava em São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo, e Ivani levava Washington, que na época tinha menos de um ano, até uma Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) em Ribeirão Pires para fazer fisioterapia.
 

Créditos: arquivo pessoal

Porém, o tratamento não durou muito tempo. Por falta de condições financeiras, porque seu ex-marido, pai de Washington, “não parava em um emprego” por ser alcoólatra, ela acabou tendo que trabalhar vendendo louças, artesanatos e fazendo faxina, o que a deixou sem tempo para levá-lo. “Demorava duas horas para chegar até lá. Ia só eu, ele e Deus”, diz.

 
“O Washington nunca deu trabalho, era uma criança quietinha. Nunca foi criança de brincar, apesar de ganhar muitos presentes dos tios. Ele ficava ouvindo TV no sofá ou com seu carrinho, brincava com o irmão. Foi uma criança muito boa”, relata.
 

A mudança de cidade

Ivani tem outro filho, Cesar, 51, que a acompanha nas visitas ao irmão, o que até o início da pandemia ocorria a cada dois ou quatro meses, a depender da situação financeira. No momento, entretanto, as visitas nas Casas André Luiz estão suspensas.
 
Ela mora em Niterói (RJ) desde que foi obrigada a ir embora de sua casa por conflitos com seu ex-marido. Segundo conta, o pai de Washington, “em uma noite, durante um acesso de loucura”, foi até um bar e disse que “iria tocar fogo na casa e matar a família toda”.
 
Passava das 22h e o cunhado dela, que estava no local comprando cigarros, foi chamado para fora por um amigo, que lhe contou a história. Ao ouvir o que o irmão pretendia fazer, correu para a casa de Ivani. Arrumaram as crianças e foram para a rodoviária, onde pegaram um ônibus para o Rio de Janeiro.
 
Lá, ela morou de favor na casa de conhecidos e, enquanto procurava emprego, pediu para que a avó de Washington cuidasse dele. Foi então que uma conhecida arranjou um lugar para ele nas Casas André Luiz. “Ele foi muito querido por mim, mas não pelo pai”, desabafa.
 
Sobre o trabalho realizado pela instituição, diz: “São uns anjos de branco daqui da Terra. Eles dão o tempo deles, tudo em favor daquelas crianças. Não tenho como agradecer”. Hoje, Ivani é formada em direito e teologia e casou-se novamente. Evangélica, se diz “grata a Deus por tudo o que tem feito na vida”.
 

O cenário do Down durante a pandemia

Estima-se que existam cerca de 300 mil pessoas com síndrome de Down no Brasil, pois a cada 700 nascimentos, um bebê costuma nascer com a condição. Não há dados precisos sobre essa população porque o Censo realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) não inclui perguntas específicas sobre o assunto.
 
Para entender melhor como está essa população, a FBASD (Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down) está realizando uma pesquisa em âmbito nacional para conhecer os riscos e a evolução da covid-19 entre as pessoas com síndrome de Down.
 
O objetivo é descobrir se elas são mais vulneráveis ou têm um desenvolvimento diferente da doença e se a sua gravidade está relacionada às condições de saúde preexistentes.
 
Por enquanto, a área médica não tem uma resposta conclusiva, mas é sabido que pessoas com Down têm mais chances de desenvolverem alterações no sistema imunológico, além de obesidade, doenças cardíacas e problemas respiratórios, afirma Antonio Carlos Sestaro, presidente da federação.
 

Créditos: arquivo pessoal

“Ficamos muito preocupados que a população com Down fosse muito impactada pela pandemia, mas ainda bem que o cenário não parece ser esse”, aponta. Ele acredita que os cuidados “a mais, com mais requinte”, que as pessoas que lidam com essa população (pais, cuidadores etc.) estão tendo pode ter reduzido o número de contaminados.

 
Com o intuito de levar informações a familiares, cuidadores e pessoas com síndrome de Down, a PUC-Campinas, em parceria com a FSD (Fundação Síndrome de Down) e apoio da SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia), criou o projeto “Previna Covid-19”. A iniciativa criou cartilhas digitais e animações, bem como vídeos gravados pelos próprios jovens com Down.
 
“Foi uma experiência muito interessante porque fizemos um trabalho voltado para jovens e crianças com Down usando eles mesmos como protagonistas, o que fez com que passassem a compreender a importância de ficar em casa” diz José Francisco Kerr Saraiva, cardiologista, coordenador do projeto, professor da Faculdade de Medicina da PUC-Campinas e membro do Conselho Curador da FSD. “Criamos materiais com uma narrativa para os jovens e outra para os pais e cuidadores”, destaca.
 
Até agora, dentro do universo de pessoas-alvo do trabalho da FSD, não há relatos de casos de covid-19. Apesar de a entidade ter suspendido muitas atividades coletivas devido ao coronavírus e à falta de recursos financeiros, a próxima etapa do projeto consistirá na criação de seminários educativos sobre alimentação, exercício, hábitos saudáveis e combate ao alcoolismo e tabagismo para os jovens com Down.
 
 

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